Os novos projetos da agência de moda e design OEstudio, que faz 15 anos – O Globo

RIO – As modelos estavam enfileiradas, lindas, prontas para entrar na passarela. Minutos antes de o desfile começar, a estilista Anne Gaul passou por ali e tascou em algumas delas, para surpresa geral, uma armação acrílica que deixava seus dentes superexpostos. Fazia sentido para uma coleção batizada Tecidos Conjuntivos, que se propunha a chamar a atenção para a importância da doação de peles e ossos. Todas as peças daquela apresentação foram inspiradas no corpo humano.
Era janeiro de 2004, no Fashion Rio, um dos primeiros desfiles do coletivo OEstudio, agência de moda e design. O público foi ao delírio. Depois, vieram coleções sobre tecnologia, consciência negra, população de rua, doação de sangue: a palavra “convencional” nunca serviu para definir um apresentação d’OEstudio. Vieram também trabalhos para marcas como Cantão, C&A, Rider, Sony, Vivo. E houve ainda um pedido da Olympikus para que criassem os uniformes dos atletas brasileiros para os Jogos Pan-Americanos do Rio e para a Olimpíada de Pequim.
Exatos 15 anos se passaram desde que o coletivo foi criado pela designer Nina Gaul e pelo cineasta Nobuyuki Ogata. Entre idas e vindas, encontros e desencontros, hoje reúnem cinco sócios, com diferentes expertises. Além de Nina e Nobuyuki, formam o time a estilista Anne Gaul, o diretor de arte Peter Gaul (sim, ambos irmãos de Nina) e o designer de produto Fabricio DaCosta.
Os tempos são outros, mas a criatividade do grupo continua a mil. É deles, por exemplo, em parceria com a designer Isabela Queiroz, o projeto dos novos uniformes da Escola Eleva, que abre suas portas em 2017 no prédio histórico em que funcionava a Casa Daros.
— Criamos um enxoval de 20 peças. Os estudantes terão a liberdade de combiná-las como quiserem — explica Anne.
Um uniforme escolar pensado por um coletivo como o OEstudio não poderia mesmo seguir a linha básica camiseta-short-calça. Camisas jeans, camisetas de malha de diversas cores, polos em vários modelos, agasalhos com e sem manga, salopetes, bermudas, shorts… As combinações de peças serão muitas para os estudantes.
— Estamos na fase de últimos ajustes, já que as aulas começam em fevereiro. A escola, os pais e os alunos gostaram muito da ideia de se ter liberdade para fazer múltiplas combinações — explica Anne. — É a primeira vez que criamos um uniforme escolar. Já tínhamos feito uniformes esportivos e até para trabalhadores do Porto Maravilha. Mas um colégio tem tudo a ver conosco porque temos uma ligação forte com educação.
A paixão pela educação levou os integrantes d’OEstudio até Luanda, em 2016, onde promoveram o curso de moda Costurando os Sentidos, a convite do Instituto de Desenvolvimento Educacional de Angola.
— Passamos três meses lá. Grande parte dos alunos era do mercado de moda, mas não havia um pré-requisito. Tanto que havia alguns de fora também. A coleção criada por uma das turmas foi apresentada no Angola Fashion Week. Toda essa experiência virou um programa de TV local. E vários alunos conseguiram se inserir no mercado depois — conta Anne.
Dentro da fase “novos projetos”, a turma d’OEstudio também está trabalhando no reposicionamento e na reestruturação da marca de sandálias Kenner. À frente desta iniciativa está Peter Gaul. Nobuyuki, que prepara um documentário sobre a ida do grupo a Angola e o curso promovido lá, está no Japão pesquisando novos tecidos para uma possível coleção de underwear.
— Vai ser a cueca mais anatômica que você possa imaginar. Nossa ideia depois não é abrir uma loja para vender ou repassar para outras marcas, mas sim trabalhar com pré-venda. Sabe aquele clube em que você paga e recebe os produtos pelo correio mensalmente? Vai ser assim, se chegarmos ao resultado que esperamos — afirma Fabricio DaCosta.
Com tanta história para contar, Nina Gaul prepara livro sobre os 15 anos d’OEstudio. Nele estarão todas as coleções que o grupo montou, seus cases mais importantes e o início de tudo, quando ela e Nobuyuki voltaram ao Brasil depois de uma temporada estudando na Fabrica, no sul da Itália. É um centro de pesquisas em comunicação do grupo Benetton que, durante muito tempo, foi dirigido pelo fotógrafo Oliviero Toscani, responsável por algumas das campanhas publicitárias mais polêmicas do mundo.
— A experiência na Fabrica foi realmente muito importante para nós. Quando retornamos, trouxemos esse modelo de agência multimídia, de coletivo. Ninguém no Brasil sabia o que era isso. Eu e Nobu fomos então chamados para fazer o site da agência de publicidade Contemporânea — conta Nina.
Os outros sócios foram se juntando depois desse primeiro trabalho. Os tempos eram outros, a internet ainda engatinhava, ninguém falava em redes sociais. Na primeira casa que ocuparam, no Humaitá, livros tomavam conta de diversos ambientes.
— Havia um fornecedor que sempre aparecia com um carrinho cheio de publicações de design. Precisávamos muito desses livros, eram as nossas referências. Gastávamos rios de dinheiro com eles. Guardamos alguns, mas hoje qualquer material desse tipo está na internet ou é digital — diz Fabricio.
Tanto estudo fez d’OEstudio uma espécie de “laboratório aplicado”.
— Começamos a entender que podíamos ter um departamento produzindo livremente e, uma vez que os resultados dessa produção era apresentados em desfiles no Fashion Rio ou na São Paulo Fashion Week, o mercado nos procurava. Muitas marcas chegaram a nós com projetos nas áreas de moda ou web por causa das nossas coleções — explica Anne.
OEstudio nunca foi uma organização, mas sim um organismo, analisa Fabricio:
— Tudo sempre foi feito em conjunto porque nós nos complementamos. Um constrói em cima da ideia do outro.
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