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Rezam a Alá, dançam zumba, ensinam o direito de voto às crianças. Começaram como comerciantes, hoje trabalham na banca e no imobiliário e entram na advocacia, engenharia e medicina. Na discreta comunidade portuguesa, acredita-se que a nova sede mundial do Imamato Ismaili em Lisboa trará mudanças.
Num dos recantos do jardim do Centro Ismaili de Lisboa, nas Laranjeiras, uma dezena de crianças com camisa bege e lenço ao pescoço joga com varas de madeira. São o Grupo 36 da Associação Nacional de Escoteiros, composto apenas por ismailitas, uma minoria muçulmana xiita liderada pelo milionário príncipe Aga Khan, que vai criar em Portugal a sede mundial da comunidade.
Aos sábados à tarde, estes 20 rapazes e raparigas reúnem-se para actividades no gigantesco edifício em pedra lioz e vidro, que é o principal templo religioso e de reunião da comunidade no país. Os escoteiros mais novos estão num dos corredores a preparar o próximo acampamento. E têm uma sala onde se reúnem para votar as acções de voluntariado em que participam. “Nos últimos anos, fizemos recolha de alimentos para o Banco Alimentar, pintámos as instalações do Instituto Piaget e participámos numa campanha da Ajuda de Berço”, vai enumerando Safik Cassamo, de 31 anos, que lidera o grupo de escoteiros criado há quase quatro décadas, quando grande parte da comunidade chegava a Portugal vinda de Moçambique.
Quando terminarem as actividades, as crianças entre os seis e os 14 anos vão continuar no centro para receber outros ismailitas para uma festa: o Navroz, a celebração da Primavera, uma das três datas mais importantes para estes muçulmanos.
Em duas das salas do edifício, preparadas com mesas redondas e flores, haverá uma ceia, música e danças. “Os escoteiros mais velhos vão servir bebidas”, explica Safik, que divide o seu tempo entre o escotismo e a gestão do hostel e da papelaria familiar em Arroios. Todos ajudam. “Não me recordo de ninguém que nunca tenha trabalhado voluntariamente para a comunidade”, diz.
No Centro Ismaili de Lisboa e na Fundação Aga Khan em Portugal, trabalham gratuita e regularmente 600 fiéis, nas mais diversas funções.
Os ismailitas dizem que o voluntariado que fazem não é caridade. “É uma tradição milenar que existe desde a origem da comunidade e permitiu criar uma rede de organização exemplar”, defende Faranaz Keshavjee, mestre em Estudos Islâmicos.
A participação nas actividades e nas estruturas internas tem um objectivo: pôr em prática as orientações de Aga Khan IV, o líder religioso da comunidade espalhada por 25 países e que encabeça uma rede de instituições financeiras, empresariais e de ajuda ao desenvolvimento. Estas movimentam anualmente mais de 550 milhões de euros apenas para actividades sociais e culturais.
O propósito último é que “os ismailitas se mantenham como uma elite bem integrada, com um estatuto de respeito e dignidade reconhecido nos vários países onde vivem”, resume o antropólogo especialista em minorias étnicas José Gabriel Pereira Bastos. “Querem manter-se com este estatuto, mas não dominar. Querem estar no topo, mas em pé de igualdade.” No mundo ameaçado pelo radicalismo, “defendem a sua visão do islão pacifista e de apoio ao desenvolvimento de forma diplomática”, explica. Os oito mil fiéis que vivem em Portugal gostam de ser discretos, quase invisíveis. “Detestam o mediatismo e raramente surgem nos jornais”, remata.
Aos domingos de manhã, os ismailitas costumam juntar-se para fazer ginástica ou dançar zumba no Estádio 1.º de Maio, em Lisboa. Não é por acaso: há orientações directas do príncipe Aga Khan para os seus seguidores praticarem exercício e fazerem check-ups regulares.
O aristocrata de 79 anos, nascido na Suíça, com passaporte britânico e licenciado em Harvard, regula quase todos os aspectos da vida da comunidade. Karim Al Hussaini, que usa o título hereditário persa de Aga Khan, é o 49.º líder religioso, sucedendo ao avô. E os ismailitas fazem-lhe um juramento de fidelidade e lealdade.
“Somos os únicos muçulmanos xiitas liderados por um imã vivo, hereditário, que é descendente directo do profeta Maomé”, diz Riaz Issa, membro da instituição que gere os aspectos religiosos e culturais da comunidade.
Aga Khan é o imã do tempo, a quem cabe interpretar o Corão, adequando a sua mensagem aos tempos actuais. Mas é também o responsável por melhorar a vida e garantir o bem-estar da sua comunidade e dos países por onde ela se espalha. “Para o islão, não há separação entre a vida espiritual e material. Há uma busca de excelência na vida intelectual e material, que também tem de ser utilizada em prol do outro”, resume Issa.
As directrizes do imã vão, por isso, muito além das questões da fé: definem a forma como os seus seguidores devem inserir-se na sociedades onde vivem, ser educados, estudar, gerir negócios e até manter-se saudáveis.
Na base de toda a organização ismailita está uma Constituição própria, aprovada em 1986. Ali são definidos aspectos religiosos, de obediência ao príncipe e às várias instituições que dão corpo à comunidade, com conselhos nacionais ou regionais e até um sistema de arbitragem e resolução de conflitos, que é alternativo aos tribunais. Contudo, e em primeiro lugar, os ismailitas têm de obedecer à Constituição dos países onde vivem.
Os fiéis portugueses são dirigidos por um conselho nacional, uma espécie de governo interno, escolhido de três em três anos para pôr em prática as indicações do líder. À frente desta estrutura está Rahim Firozali, o director-geral da empresa de seguros Combined Insurance em Portugal, que foi nomeado no ano passado. O vice-presidente é o empresário Azim Manji, que já liderou o departamento económico dos ismailitas portugueses.
Os 19 membros deste conselho reúnem-se numa sala própria no Centro Ismaili de Lisboa. À volta da grande mesa oval, organizam programas que garantem o funcionamento da comunidade nacional, mas também dos fiéis em Espanha, Moçambique e Angola.
Neste “mini-governo”, há elementos responsáveis por pastas específicas, como a Educação, Juventude, Saúde ou Economia, que coordenam as actividades definidas para as diferentes áreas.
A aplicação no terreno das medidas é garantida com financiamentos de Aga Khan, que decide pessoalmente os apoios. “Sempre que é escolhido um novo conselho, o presidente e o vice-presidente vão discutir os programas directamente com Sua Alteza”, explica um antigo membro da estrutura. As reuniões realizam-se em Aiglemont, a propriedade de 40 hectares nos arredores de Paris onde o príncipe vive e onde funciona grande parte dos seus escritórios. Esses encontros passarão, agora, a ser feitos em Portugal.
É num palacete rodeado de jardins repletos de palmeiras e tílias na Rua Marquês da Fronteira, em Lisboa, que o príncipe vai instalar a sede mundial do Imamato Ismaili. E será a partir desta estrutura administrativa que vai coordenar a gigantesca Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, onde trabalham 80 mil pessoas em 30 países.
A rede inclui agências com lucros anuais de 3 mil milhões de euros, com quase uma centena de empresas, entre elas, cinco centrais eléctricas, companhias aéreas, farmacêuticas, bancos, seguradoras, empresas de media e cadeias de hotéis. Essas verbas, segundo a comunidade ismailita, são depois reinvestidas ou utilizadas em agências de desenvolvimento social, como a Fundação Aga Khan, universidades, hospitais ou programas para a educação e cultura, que garantem apoio a milhões de pessoas do Afeganistão, Síria ou Burkina Faso.
A venda ao príncipe ismailita por 12 milhões de euros do palacete Henrique Mendonça, que é a sede da Nova School of Business and Economics (SBE), teve luz verde do Governo a 17 de Março. O PÚBLICO sabe que o assunto foi levado a Conselho de Ministros precisamente um dia depois de a família Aga Khan contribuir com 200 mil euros para a campanha pública lançada pelo Museu de Arte Antiga destinada a comprar o quadro Adoração dos Magos, do pintor Domingos Sequeira.
Os gabinetes centrais do líder ismailita vão instalar-se de forma progressiva no edifício murado a pedra e ferro forjado, desenhado pelo arquitecto Ventura Terra e que recebeu o prémio Valmor em 1909.
A sede mundial funcionará com regras especiais, semelhantes às de uma delegação diplomática estrangeira, apesar de os ismailitas não terem um Estado.
As suas instalações serão “invioláveis” e o imã e os seus funcionários possuirão imunidades jurídicas e importantes benefícios fiscais, tal como define o acordo assinado em Junho de 2015 entre o príncipe e o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete. Muitas das prerrogativas já tinham sido dadas à delegação do imamato, que se instalou no país em 2006, e funciona na Rua de São Domingos à Lapa, em Lisboa.
Nos três hectares de terreno da nova sede deverão trabalhar quase 500 pessoas, das quais, 400 recrutadas no país. Os restantes virão de fora, acompanhando Aga Khan, que procura ainda um local para a sua residência oficial no país.
Até lá, o imã continuará a viajar de Paris para Lisboa no seu jacto privado e a instalar-se no Hotel Ritz, a umas centenas de metros da futura sede mundial.
O príncipe deixa em França os cavalos de corrida, uma das principais tradições de família que herdou do pai, Aly Khan, que foi casado com a actriz Rita Hayworth.
Em 1540 hectares espalhados por várias propriedades naquele país e também na Irlanda, Karim Aga Khan tem centenas de garanhões, que valem milhões de euros e o tornaram um dos principais criadores na Europa.
Os seus jockeys correm pelo mundo vestindo casacos de seda com as cores da bandeira do imamato, verde-esmeralda e vermelho. E pagam-se fortunas pelo pedigree dos seus cavalos. Para fazer o cruzamento de éguas com um dos melhores cavalos de corrida do mundo, o See the Stars, que venceu o prémio Arco do Triunfo em 2009, é preciso pagar 125 mil euros. Os potros nascidos deste campeão são vendidos em média por 308 mil euros, mas já atingiram os 935 mil euros, segundo as tabelas da página oficial das suas coudelarias.
É a mais velha dos seus quatro filhos, Zahra, de 45 anos, que hoje se ocupa desta área de negócio da família. Já o imã divide o seu tempo entre a gestão do imamato e da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, o seu papel de diplomata e as visitas às comunidades ismailitas de todo o mundo. Só no ano passado esteve em 14 países, do Quénia, onde viveu com a família em criança, tendo passado pela Índia, Uganda, Canadá e EUA, onde se licenciou em História Islâmica.
“A vinda para Portugal de Sua Alteza terá grande impacto para os ismailitas e também para o país”, acredita Zahir Remtula, empresário de 48 anos, lembrando a capacidade do líder religioso de atrair investimento dentro e fora da comunidade. “Mas vamos ter de esperar para ver qual será a dimensão da mudança”, frisa.
Zahir Remtula mantém a tradição de ter uma fotografia emoldurada de Aga Khan em todas as suas lojas de decoração. Proprietário da marca Safira na Avenida Almirante Reis e responsável pelas vizinhas lojas Incasa Design, esteve entre as primeiras vagas de ismailitas a chegar a Lisboa. Com a mãe e os dois irmãos, deixou em 1974 a cidade de Angoche, em Moçambique, para onde os seus antepassados emigraram vindos da Índia.
A entrada em Portugal de parte da comunidade ainda antes da descolonização moçambicana, em 1975, é apontada como uma prova da capacidade diplomática de Aga Khan. “Soube antecipar-se aos acontecimentos e deu orientações à comunidade para se mudar com os seus negócios para Portugal”, explica Pereira Bastos. “Acabaram por ser eles, já instalados no país, a receber nas suas pensões os portugueses retornados de Moçambique, que lá deixaram muitos dos seus bens”, recorda o antropólogo.
A família de Zahir Remtula começou com uma churrasqueira no Lumiar e em poucos anos dava o salto para a primeira loja de móveis, em Benfica. No final da década de 1970 mudou-se para a zona da Almirante Reis, onde as lojas Safira prosperaram. Os Remtula chegaram a controlar uma dezena de estabelecimentos na Grande Lisboa.
Os ismailitas ainda se mantêm no comércio de móveis, vestuário e na hotelaria. Entre os mais conhecidos, estão os quatro irmãos proprietários das lojas Sacoor, que criaram no final de 1980 a primeira loja familiar no n.º 127 da Pascoal de Melo, em Lisboa, e hoje possuem 84 lojas em países como o Dubai ou o Kuwait, segundo o site da marca. Outros são os donos da cadeia Vip Hotels, que já têm 16 hotéis no continente, Açores e em Moçambique. Na área, domina também a família proprietária do Grupo Azinor, dono da cadeia Sana, liderada por Nazir Din, com 14 unidades hoteleiras em Portugal, duas em Berlim e duas em Luanda.
Estes muçulmanos, lembra o investigador Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, “sempre tiveram um nível económico mais alto do que o de outras populações de origem indiana que vieram para Portugal, como os hindus ou os goeses”. Começaram como pequenos comerciantes, em zonas como a da Almirante Reis, mas têm vindo a diversificar os seus negócios, frisa.
Há cada vez mais ismailitas a trabalhar na banca, nos serviços, como brokers imobiliários ou no aluguer de automóveis. E a começar carreiras em profissões de maior estatuto social em Portugal, como advogados, engenheiros ou clínicos. É o caso da prima de Zahir, Sofia Remtula, de 26 anos, médica na Unidade de Saúde Familiar Conde de Oeiras: “Da minha geração, há pelo menos mais outros dois ismailitas a exercer medicina e outros quatro ou cinco a licenciarem-se”, explica.
A aposta na educação e na formação intelectual é, aliás, uma das orientações internas da comunidade. “Quase toda a geração mais nova tem formação superior, quer em universidades portuguesas quer no estrangeiro”, garante o representante da Fundação Aga Khan, Nazim Ahmad.
O propósito último é que “os ismailitas se mantenham como uma elite bem integrada, com um estatuto de respeito e dignidade reconhecido nos vários países onde vivem”, resume o antropólogo especialista em minorias étnicas José Gabriel Pereira Bastos.
Zahir Remtula estudou em liceus públicos e não terminou o curso de Gestão Hoteleira. As suas filhas frequentam hoje o ensino privado: a mais velha, de 19 anos, está em Gestão na Universidade Católica e a de 16 frequenta o 11.º ano no Colégio das Doroteias. A aprendizagem do islão faz-se na família e na comunidade.
É na capital, onde inicialmente se fixaram, que ainda vive a maioria dos ismailitas. Mas há fieis espalhados um pouco por todo o país, havendo casas da comunidade com templos de oração no Seixal, Oeiras, Porto, Faro ou Portimão.
Os ismailitas podem rezar nas mesquitas. Mas os sunitas e os não crentes não podem participar nas orações dos ismailitas: ali só pode estar quem aceita que Aga Khan é o imã do tempo e que fezo Bai’at, o baptismo, onde lhe juram lealdade e fidelidade. As orientações que o príncipe envia ou que revela nos seus encontros com a comunidade não podem ser transmitidas para fora.
Também não rezam cinco vezes por dia como os muçulmanos sunitas. Fazem três orações diárias obrigatórias: sentam-se no chão virados para Meca às cinco da madrugada e novamente às 19h30, quando rezam em conjunto, a oração do final do dia e a oração do início da noite. No Centro Ismaili de Lisboa, as duas últimas preces são feitas em congregação e presididas por um ministro de culto. No enorme templo, sob um quadro do príncipe Aga Khan, os crentes rezam descalços. Os mais velhos ou doentes sentam-se em bancos na sala, orientada para a cidade sagrada dos muçulmanos.
O Centro Ismaili tem sido o local escolhido por muitos para casarem, apesar de esta união não ser um sacramento, como acontece entre católicos. Riaz Issa diz que na cerimónia “há uma bênção, uma oração”, feita por um ministro de culto após a união civil, a única reconhecida pelas leis nacionais.
Aos 53 anos, o proprietário das lojas Partyland é um dos poucos ismailitas casados com uma católica da sua geração. Mas isso está a mudar. “Hoje há cada vez mais abertura e um maior número de casamentos mistos entre os ismailitas portugueses”, avança, lembrando que a fé lhes permite unirem-se livremente, não sendo necessária a conversão ao islão.
A pressão para os casamentos na comunidade ainda se sente, sobretudo dentro das famílias: “São endogâmicos porque isso os ajuda a garantir a sua especificidade”, adianta Gabriel Pereira Bastos. “Querem integrar-se, mas não querem ser assimilados”, explica.
Num estudo para o Observatório da Imigração, em 2006, onde o antropólogo foi co-autor, os jovens ismailitas admitiam ser mais fácil para as famílias aceitar o casamento com católicos do que com sunitas ou hindus. “No dia-a-dia, há algumas rivalidades entre os diferentes muçulmanos, que se explicam com a necessidade de preservarem as suas identidades”, justifica.
Já nas cúpulas dos dois grandes ramos muçulmanos no país, “as relações são óptimas”, garante o sunita Abdul Vakil, presidente da comunidade islâmica de Lisboa. A ligação entre a sua família e a do líder ismailita é antiga e já vem de Moçambique. “Lembro-me de, quando era criança em Maputo, Aga Khan III ter ido visitar o meu pai ao escritório e de me sentar nos seus joelhos. Durante anos, os ismailitas gabaram-me o privilégio de ter estado ao seu colo”, conta.
Como os todos os muçulmanos, os ismailitas não devem comer porco, beber álcool e têm de fazer jejum no Ramadão.
Aos sábados de manhã, crianças e adolescentes divididos por oito salas têm aulas no Centro Ismaili para aprofundar a sua visão do fé. É também por essas idades que muitos começam a aprender a entregar ao imamato um donativo religioso.
Os muçulmanos portugueses têm de fazer o pagamento do zakat, uma dádiva obrigatória para cumprir a fé. Os sunitas doam 2,5% dos seus rendimentos ao ano. Os ismailitas cumprem esse preceito com um donativo próprio que equivale a um oitavo dos seus lucros.
“Fui educada desde pequena a fazer esta doação”, diz Faranaz Keshavjee, que entrega a verba ao ministro de culto. Os seus filhos também aprenderam a entregar o montante correspondente à oitava parte do valor dos presentes que recebem nos anos ou nas festas religiosas. “Esta é uma obrigatoriedade pessoal, uma prova de fé e fidelidade que faz parte da ética milenar do islão”, explica a ismailita, dizendo que na comunidade ninguém controla quem faz ou não esta doação.
Além destes, há os importantes donativos que as famílias ismailitas e seus empresários fazem ao imamato em festas religiosas ou para apoiar projectos específicos da rede Aga Khan, conta um membro da comunidade.
Não há dados sobre o montante que os fiéis de todo o mundo entregam ao príncipe. Quando o avô, Aga Khan III, celebrou os 50 anos de liderança espiritual em 1936, recebeu dos seus seguidores da Índia um montante de ouro que pesava tanto quanto ele.
Em Portugal, dos donativos da comunidade e de outras entidades, em 2009, constam 3,7 milhões de euros para as celebrações dos 50 anos de imamato do príncipe Karim – que se estenderam ao longo de 2007 e 2008 – e para a Universidade Aga Khan. No relatório e contas de 2009 da Fundação Aga Khan Portugal especifica-se que “os valores devem ser transferidos para Genebra [para a sede do organismo], de acordo com as instruções de Sua Alteza”.
Todos os donativos ao imã e ao imamato passaram a ser totalmente livres de impostos e isentos de mais-valias em Novembro passado, quando entrou em vigor o acordo feito com o Estado português.
“As verbas recebidas por Sua Alteza são utilizadas apenas para financiar projectos da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento”, garante Nazim Ahmad, o representante da Fundação Aga Khan em Portugal (AKF), o mais antigo organismo do príncipe no país.
Nos últimos 30 anos, a instituição portuguesa pôs no terreno vários programas de integração social em parceria com o Estado, a igreja Católica ou as autarquias. E tem outros projectos em marcha.
Até Dezembro quer arrancar com a formação de amas, exigida pela nova lei que regulou e liberalizou a profissão. A tarefa foi-lhe entregue pelo Instituto de Segurança Social com base no trabalho já desenvolvido no Centro Infantil Olivais Sul, frequentado por 165 crianças.
O centro público, gerido pela fundação há sete anos, tem um programa de ensino inovador e também faz supervisão e acompanhamento de amas que acolhem crianças em casa. No edifício baixo, que se destaca numa rua de prédios nos Olivais, “não se dão apenas cuidados, faz-se uma intervenção pedagógica centrada na criança desde o berçário até aos seis anos”, defende Alexandra Marques, directora para a educação da AKF. O ensino é feito no chamado “modelo de pedagogia em participação”, que “tem como valor fundamental a democracia”, adianta, com os alunos a escolher as aprendizagens e a ser parte activa em toda a formação que recebem.
Na sala dos três anos, as crianças começam o dia sentadas à volta da educadora. Sónia pergunta-lhes o que querem fazer, cada uma decidindo se começará a manhã a desenhar, fazer construções ou brincar no “cantinho do faz-de-conta”. À tarde, voltam todas a sentar-se para fazer um balanço do dia e a educadora aponta num caderno as actividades realizadas por cada uma e as que ficaram por fazer. É desta forma, adianta Sónia, que vão aprendendo a gerir o tempo, a conhecer-se, a expressar-se, a justificar-se e a respeitar as opções dos outros.
Aos cinco anos, têm “assembleias” de alunos. São eles que propõem os temas a aprender, que as educadoras planificam e integram depois nas actividades das salas, onde há sempre um sofá preparado para receber os pais que queiram assistir.
Neste momento, as educadoras do centro dos Olivais Sul já estão a dar formação a profissionais de outras três instituições na Grande Lisboa. “Queremos replicar o modelo”, explica a responsável.
Os projectos da fundação vão além do pré-escolar. Até final do ano, quer encontrar um terreno para erguer no país a primeira Academia Aga Khan no mundo ocidental. A escola de elite para mil alunos, entre os 5 e os 18 anos, metade dos quais com bolsa de estudo, já esteve prevista para Cascais. O projecto de quase 100 milhões de euros acabaria por fracassar no ano passado envolvido em polémica. Mas ganha novo fôlego com a vinda do príncipe para Portugal.
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