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João Salazar Braga
Autor e redator publicitário. Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa e mestre em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Humanas
Não é que a nova identidade da República Portuguesa seja um não-assunto, porque concentra em si uma certa – e justa – importância, mas foi transformada numa questão extremada e polarizadora
Achou-se que a questão tinha ficado encerrada. Durante a campanha eleitoral a nova identidade da República Portuguesa não foi discutida. Mas, na fase de pré-campanha, Luís Montenegro afirmou que, caso formasse governo, deixaria cair o novo símbolo da República Portuguesa, apostando no anterior, que não esquece “as nossas referências históricas e identitárias”: o escudo, a esfera armilar e as quinas. Referiu-se ao símbolo (à bandeira estilizada, portanto) e não à identidade visual completa, necessariamente mais ampla e complexa, cuja compreensão depende de consulta e estudo.
Luís Montenegro venceu as eleições – e a questão foi desenterrada. Agora, é expectável que o primeiro-ministro cumpra a sua palavra, fazendo, assim, com que um investimento público seja, na prática, desperdiçado e inutilizado. Só recentemente é que o Studio Eduardo Aires partilhou o projeto nas redes sociais. Podia tê-lo feito mais cedo, em Novembro, pouco depois de a polémica em torno de António Costa ter estalado. É certo que, então, o país ainda estava a processar a demissão do primeiro-ministro, mas teria sido proveitoso dar a conhecer o trabalho realizado, até porque o Manual de Identidade Visual já estava disponível e algumas das plataformas digitais do Governo já estavam a usar a nova identidade (faziam-no desde maio de 2023, na verdade). Poucos foram os que tinham reparado nesse facto, o que não admira, porque também são poucos os que se interessam efetivamente por comunicação e design institucional. De facto, há assuntos maiores e existem preocupações mais relevantes.
À conta de um período de silêncio, o estúdio ficou desprotegido, assim como o contrato por ajuste directo, avaliado em 74 mil euros, realizado pelo anterior governo. Neste contexto, quem se quis mostrar contra a nova identidade visual pôde fazê-lo com relativa facilidade, fazendo com que uma discussão que é, desde a origem, de design se tornasse numa troca de argumentos dominada por políticos que procuravam descredibilizar um governo já sem credibilidade. Nesta polémica, a opinião técnica do próprio Eduardo Aires e de outros designers foi desconsiderada. À política, o que é da política. Ao design, o que é do design.
Não é que a nova identidade da República Portuguesa seja um não-assunto, porque concentra em si uma certa – e justa – importância, mas foi transformada numa questão extremada e polarizadora. Naquele momento, a promessa de Luís Montenegro e as considerações de Nuno Melo e de outras figuras compreenderam-se: não queriam que outras forças, menos sensatas, se tornassem proprietárias do tema; o que ficou por compreender foi a rapidez, quase populista, com que a nova identidade visual foi desconsiderada. Desconfia-se que este posicionamento possa estar relacionado com o receio de perder, não literalmente, uma bandeira temática relevante.
É ingénuo contar com a compreensão dos cidadãos relativamente à identidade visual do Governo; o tema é-lhes irrelevante. Além do mais, as sucessivas explicações oferecidas pelo referido manual são o produto da criatividade de um designer, sendo predominantemente dirigidas a outros designers. À partida, as explicações são simples, mas transformam-se rapidamente em enunciados complexos e demonstrativos das capacidades de um exercício de design.
Na prática: só um designer compreende um designer; são seres teimosos, mas oferecem visões novas do mundo antes de todos os outros, que as estranham num primeiro momento – mas apenas porque não estão acostumados. Ora, o design só é simples quando está terminado; até ao fim, é um elemento complicado, que permite, à partida, diversas soluções. É certo que os gostos não se discutem – e que é legítimo ser-se contra a inovação, porque esta nem sempre traz consigo melhorias. Também é certo que discutimos – ou devemos discutir – ideias, pensamentos e raciocínios, de forma a compreender a razão de ser de certos elementos de comunicação, visuais e não só, sobretudo quando eles são relativos ao modo como o Estado, o nosso, comunica connosco e com os outros.
Escreve-se, e diz-se, que foi a esquerda woke a responsável pela nova identidade visual da República Portuguesa. Não foi. O responsável foi um premiado atelier de design nacional. O trabalho é público e diz respeito a todos os que convivem com o Estado, daí que as críticas que lhe são feitas são, no mínimo, aceitáveis; contudo, mostra-se fácil apontar defeitos assentes em raciocínios políticos. É mais difícil discutir o design pelo design: estranha-se o porquê de as Bandeiras Nacionais representadas nas fardas dos Polícias de Segurança Pública e nos respetivos carros
de serviço – representações igualmente abstratas e geométricas, desprovidas de escudo, esfera armilar e castelos – não serem comentadas com o mesmo sentido crítico.
A questão da República Portuguesa como marca não deixa de ser menor: merece discussão, mas que seja ponderada e séria. Numa altura em que existem outras preocupações ao nível interno e externo, será oportuno levantar esta questão?
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