Em semana de eliminatória, factos e ideias sobre a Prova Rainha do futebol português.
Ouve dizer-se com frequência que a Taça de Portugal é a prova mais democrática do futebol português, pela oportunidade que clubes de escalões inferiores vislumbram, ano após ano, de pisar palcos com que apenas sonham ou receber visitas de luxo nas suas localidades. De há nove épocas a esta parte uma alteração regulamentar garantiu à partida a pelo menos 18 clubes, na 3.ª eliminatória, o privilégio destas visitas, dado que as equipas da Primeira Liga são todas sorteadas como visitantes, o mesmo sucedendo com as da Liga 2 na ronda anterior. Um bom passo na direção da democratização.
Há, porém, outro dado regulamentar que parece ir contra a essência da festa do povo, mais parecendo servir apenas os interesses de operadores televisivos e, em ligeira medida, os das tesourarias dos clubes.
Desde a época 2008/2009 as meias-finais da Taça de Portugal são disputadas a duas mãos.
Se é verdade que, das 15 edições desde então disputadas, 13 tiveram na final uma equipa extra-grandes – chamemos-lhes assim pelo respeito merecido e incluamos nelas o SC Braga, por questões de representatividade entre os adeptos portugueses -, não o é menos que nestas 13 ocasiões apenas uma vez essa equipa chegou ao Jamor eliminando um grande: justamente os bracarenses, em 2020/21, quando deixaram o FC Porto para trás nas meias-finais (e já eram muito menos extra-grandes). Parece claro que as possibilidades, já de si curtas, de os extra-grandes ultrapassarem Benfica, FC Porto ou Sporting ficam radicalmente diminuídas em eliminatórias de 180 ou 210 minutos, em comparação com a possibilidade de tudo se resolver apenas num encontro e, com sorte do extra-grande, em casa deste.
Nas mesmas últimas 15 edições da Taça, só por três vezes as duas mãos das meias-finais se disputaram com intervalo de duas semanas ou menos. A média do tempo de espera (conceito em voga por estes dias) entre a primeira e a segunda mão é de cinco semanas, sendo que se chegou a intervalos de sete, oito, nove e onze semanas. Parece-me difícil que estejamos a falar da mesma eliminatória quando se joga com um hiato de dois meses, e há até exemplos de equipas que disputaram a primeira mão com um treinador e a segunda com outro (claro que quando há uma troca de técnicos a meio da temporada isto é algo que ocorre no espaço de dias, mas convenhamos que a probabilidade aumenta no caso da Taça).
A abolição do sistema de duas mãos nas meias-finais traria vantagens, portanto, na competitividade (maiores probabilidades para extra-grandes) e até na verdade (muito figurada, note-se) da competição, dada a enorme flutuação de forma e contextos que pode ocorrer em tantas semanas de diferença entre um jogo e outro.
Mas traria outra, se calhar não tão pouco dispicienda assim num ano em que a discussão sobre calendários competitivos vai subir de tom: libertaria uma data.
Já agora: será mesmo impossivel encontrar fins de semana para os jogos da Taça?