Portugal na Guerra do Yom Kippur | Opinião | PÚBLICO – Público

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Combinaram que os EUA fariam chegar secretamente alguns mísseis Redeye a Portugal através de Israel. Mas não havia pressa, e antes de chegarem os mísseis, deu-se o 25 de Abril.
O ataque do Hamas da semana passada aconteceu 50 anos e um dia depois do último grande choque sofrido por Israel, a Guerra do Yom Kippur. A salvação de Israel foi o material militar que chegou através da ponte área estendida pelos EUA a partir de 14 de Outubro de 1973. A Operação Nickel Grass utilizou os Açores como escala e gerou um momento de tensão entre Portugal e os EUA.
A 6 de Outubro, Israel sofreu uma dupla invasão do Egipto e da Síria, que tentavam recuperar os territórios perdidos na Guerra dos Seis Dias. Tal como aconteceu agora, Israel foi surpreendido pela escala dos ataques. O dispositivo militar fronteiriço era inadequado tanto no sul, onde o Egipto atravessou o canal do Suez para entrar na Península do Sinai, como no norte, onde a Síria conseguiu ocupar os Montes Golã.
Em Washington, a crise apanhou o Presidente Richard Nixon em pleno escândalo Watergate. Com o Presidente sem disponibilidade mental para lidar com questões de política externa, foi o secretário de Estado, Henry Kissinger, que tomou conta da situação. A sua avaliação era de que Israel não corria perigo existencial. Kissinger temia que se o apoio dos EUA fosse demasiado rápido e expressivo, corria-se o risco de ofender os Estados árabes e de provocar um aumento de tensão com a URSS.
A 12 de Outubro, ficou evidente que a avaliação de Washington pecava por optimismo. Kissinger e Nixon estavam agora preocupados com o desgaste sofrido pelas forças de defesa de Israel e sobretudo pela informação de que o Egipto e a Síria estavam a ser armados pela URSS. Era agora urgente equipar Israel com munições e equipamento sofisticado, incluindo caças e carros de combate.
A logística da Operação Nickel Grass exigia uma escala a meio caminho. A Base das Lajes, na ilha Terceira, era a única candidata: os outros aliados recusavam-se a apoiar Israel devido ao receio de que a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), liderada pela Arábia Saudita, restringisse o acesso ao petróleo.
As Lajes estavam já a servir de ponto de transferência discreta de material para Israel, mas a escala da tamanha operação tornaria óbvio o papel de Portugal. O Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, temia as consequências.
O confronto entre Caetano e Nixon dá-se a 13 de Outubro. Numa carta a Nixon, Caetano tenta impor condições à utilização das Lajes, justificadas pelos danos que o país iria sofrer com a retaliação da OPEP. Em troca, os EUA poderiam conceder a Portugal material militar, em particular mísseis terra-ar Redeye, que seriam essenciais para controlar a situação militar na Guiné, onde a URSS armava e treinava o PAIGC.
Caetano depressa percebeu que a sua margem negocial era nula. Nixon respondeu no mesmo dia em termos muito claros: não era o momento para discutir compensações. A missiva continha uma ameaça pouco velada: “Devo dizer-lhe com toda a franqueza, Sr. primeiro-ministro, que o seu falhanço em ajudar neste momento crítico forçar-nos-á a adoptar medidas que não poderão deixar de prejudicar a nossa relação”.
A autorização portuguesa chegou e a Operação Nickel Grass começou no dia seguinte. Durante um mês, passaram nas Lajes, rumo a Israel, mais de 1000 dos maiores aviões de carga da Força Aérea norte-americana.
Depois da crise, Nixon e Kissinger receberam o embaixador de Portugal em Washington na Casa Branca. Combinaram que fariam chegar secretamente alguns mísseis Redeye a Portugal através de Israel. Mas não havia pressa, e antes de chegarem os mísseis deu-se o 25 de Abril. Os Redeye voltaram para trás.
Já as consequências não se fizeram esperar. O embargo de petróleo da OPEP a Portugal encareceu a energia de que o país dependia e levou à inflação generalizada. Aprofundou-se o descontentamento popular que levaria a uma revolução seis meses depois.
Para Portugal, este episódio mostra como é difícil gerir as relações externas do país em momentos de alta tensão e num contexto da Guerra Fria, em que vigorava a lógica “ou estás connosco ou contra nós”. Desde a queda do muro de Berlim, habituámo-nos a um mundo mais permissivo em termos de alinhamentos políticos, em que parecia possível darmo-nos bem com quase toda a gente. Essa realidade parece estar a desaparecer. Crises como a da Guerra do Yom Kippur merecem por isso ser estudadas com redobrada atenção.
Doutorando em História, Estudos de Segurança e Defesa no ISCTE e bolseiro de investigação da FCT
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