Diogo criou um portal para tentar mitigar ausências de comunicação da Carris – Lisboa Para Pessoas

Chama-se Autocarros de Lisboa, começou por ser uma página de “entusiastas de autocarros”, mas tem vindo a transformar-se num veículo de informação. Os mapas e textos de Diogo ajudam passageiros – e até motoristas – a perceber as alterações da Carris.
Chega a Sete Rios de máquina na mão. Tinha ido fotografar uma “raridade”, um determinado modelo de autocarro que habitualmente não costuma fazer uma certa carreira. “Um amigo deu-me o toque e depois do trabalho passei lá.” Diogo Lourenço, 21 anos, tem desde muito cedo uma paixão por autocarros. O gosto foi crescendo por via de familiares e depois por amizades que construiu junto de trabalhadores da Carris. “Fui despertando o gosto por coisas mais técnicas da Carris, como saber porque é que um autocarro X está naquele sitio, porque foi adquirido, saber o seu número de frota…” Esse entusiasmo de criança em torno da Carris “nunca desapareceu” e deu lugar ao Autocarros de Lisboa, um portal informativo através do qual Diogo procura ajudar passageiros e até motoristas da própria Carris a saber sobre a oferta de autocarros e eléctricos da cidade de Lisboa e alterações de percursos.
“Uma pessoa abre uma notícia da Carris sobre uma alteração qualquer e quer logo fechar. Não é uma informação clara e intuitiva”, aponta. “Muitas vezes nem colocam um mapa intuitivo.” Recentemente, muitas têm sido as alterações ao serviço regular da Carris devido a vicissitudes várias, desde obras planeadas, como está a acontecer em Sete Rios ou Santa Apolónia, a intervenções de urgência, como decorre nas ruas do Arsenal e da Prata, na baixa lisboeta.
As implicações nas rotinas de passageiros mais regulares têm sido muitas, e aqueles que viajam de modo menos frequente também se vêem a braços com mudanças nos percursos e paragens habituais. A comunicação da Carris nem sempre é a mais eficiente, com a publicação no seu site de mapas pouco apelativos e de difícil análise e de descrições exaustivas das alterações que exigem um tempo considerável de leitura. E a informação nas paragens também nem sempre é a mais clara. “Às vezes colocam um aviso que é por texto corrido, uma folha. Uma pessoa mais idosa, ou um turista… ou o meu pai e a minha mãe, que até conhecem a zona mas que olham para aquilo e não percebem.”
Veja-se um exemplo: à esquerda, como a Carris comunicou as alterações de serviço na Rua da Prata, devido à necessidade urgente de reparar o colector de drenagem; à direita, um mapa desenhado por Diogo e publicado no portal Autocarros de Lisboa.
“Ando muito no terreno e aproveito isso para criar uma notícia mais clara, dentro do possível. Já aconteceu nem eu próprio perceber a informação que a Carris publica e ficar às aranhas”, conta. O jovem estudante de marketing prefere, sempre que possível, ir ao local perceber bem as alterações antes de as publicar no portal e página de Facebook. “Prefiro comunicar uma determinada alteração de serviço um pouco mais em cima da hora mas correctamente, do que estar a fazer uma coisa em cima do joelho sem pés na cabeça.”
O objectivo de Diogo é tentar fazer “algo que seja mais intuitivo para o passageiro, para o seguidor, para quem for que precise de uma informação clara”. Mas isso, aponta, “deveria partir sempre da empresa e não de mim”. “Tenho motoristas a enviarem mensagens privadas a dizer que a minha comunicação é tão melhor do que a Carris. Dizem-me, inclusive, que receberam ordens de serviço [folhas de comunicação interna das alterações de percursos] que só perceberam depois de irem à minha página consultar as informações e mapas que lá publico.”
Este posicionamento do Autocarros de Lisboa enquanto veículo de informação é recente. Foi só em Novembro de 2022 que aquilo que era uma página de Facebook ganhou um site, que tem vindo a ser desenvolvido aos poucos e poucos – Diogo está a dedicar o seu tempo livre ao projecto; e, entre as aulas que tinha e o estágio que agora está a fazer na área da comunicação, esse tempo escasseia. Por outro lado, Diogo só passou a administrar a página de Facebook em 2017 quando o anterior coordenador deixou de ter tanta disponibilidade. Nessa altura, os Autocarros de Lisboa eram apenas uma comunidade online de entusiastas da Carris, onde se partilhavam fotografias e curiosidades sobre os autocarros da cidade.
“A transição para um portal mais informativo foi gradual. Comecei a ver que as informações que eu partilhava sobre novidades e alterações de serviço começaram a ter uma adesão boa. E vi aí uma oportunidade. Tudo começou com mapas simples, que não eram os mais apropriados porque, na altura, ainda estava a aprender a mexer em programas como o Illustrator”, conta o jovem de 21 anos.
Diogo Lourenço usa recorrentemente os autocarros da Carris para se deslocar e o conhecimento que tem de utilização do serviço é útil nos Autocarros de Lisboa. “Já aos quatro ou cinco anos sabia que autocarros é que tinha de apanhar e era o informador da família. Costumo abrir o WhatsApp e ter lá alguém a perguntar-me que autocarro deve apanhar”, conta. “Gosto de saber que estou a ajudar. É isto que também quero fazer nos Autocarros de Lisboa. Quero que tenha uma parte de serviço público.” Também essas viagens são usadas para captar algumas das fotografias que continua a publicar na página (e no site), procurando manter por perto o público de entusiastas enquanto procura satisfazer a audiência que quer somente saber o que mudou nos percursos e paragens.
Diogo não esconde, nem nunca escondeu a sua veia de entusiasta. “Sempre que mostrava a minhas fotografias de autocarros a amigos – antes da página de Facebook tinha uma conta no Flickr –, era raro o comentário depreciativo que recebia, porque era uma coisa única. Não é um gosto que se encontre todos os dias na rua. E muita gente achava piada”, conta. “Colegas da escola, amigos meus, inclusivamente acabavam a fotografar para mim, para colocar na página. A certo momento, eles próprios foram passando a usar termos mais técnicos e já reconheciam veículos pouco comuns numa dada carreira.”
Mas, “no fim de contas, há sempre alguém que olhe de lado para isto. Mas há que ter um sentimento de confiança e de saber o que é que estamos aqui a fazer. E eu estou a fazer isto por bem e por um gosto. Não é fácil e temos também de estar rodeados das pessoas certas.” Diogo gosta de ser discreto. Não mete conversa com motoristas da Carris porque não quer importunar o seu trabalho mas diz que alguns metem conversa com ele quando o vêem de câmara na mão. Há também um estigma que foi sendo quebrado em relação à fotografia a autocarros. “Eu não inventei a roda. Houve outros entusiastas que nos abriram o caminho para este estigma das fotos diminuir. E vários motoristas começaram a achar piada a alguém a tirar fotografias de autocarros.” As fotos de Diogo serão registos que, anos mais tarde, permitirão recordar a cidade e o serviço de outros tempos, provocando aquele sentimento quando hoje olhamos para imagens antigas. Grupos de entusiastas de autocarros são comuns nas redes sociais e também em plataformas como o Flickr. Mas o fascínio por veículos de transporte público não se restringe ao modo rodoviário. Também nos comboios existe uma comunidade de entusiastas a saber de cor os números de série da frota da CP, horários e os percursos, e a estar a par daquelas circulações pouco habituais.
“Ainda há quem ache que estamos ali a fotografar a cara do motorista ou para fazer alguma queixa. Se algum motorista vier dizer-me que não gosta de fotos e pedir para desfocar, eu respeito isso e faço-o sem qualquer problema”, explica, realçando que “o que eu e pessoas com os mesmos propósitos que eu estão a fazer é completamente legal porque são autocarros que estão enquadrados em lugares públicos e o Código Civil deixa bem claro isso, que não é preciso consentimento da pessoa se a fotografia tiver esse enquadramento geral da via pública”. Além do mais, “eu não utilizo as fotografias para vender, nem para denegrir. Utilizo para fins recreativos e de utilidade pública. Quero mostrar os bastidores da Carris e que não são meros autocarros que apanhamos para ir para algum sítio”.
Na página de Facebook é onde continua a ter mais actividade. Além de alterações de percursos e paragens, de informações sobre greves, de reforços de serviço e de lançamentos de novas carreiras, Diogo também publica curiosidades sobre os veículos, mostra carreiras antigas e partilha fotografias antigas que compra do seu próprio bolso. Recentemente comprei quatro slides a 40 euros, que ainda vou ter de digitalizar mas foram mais 40 euros que gastei. Porquê? Porque quero ter mais algum conteúdo na página e ser diferente”, diz. “Gosto de criar uma programação que quase parece a de um canal de televisão, com as publicações do dia e respectivos horários. Gosto de dar certos e determinados conteúdos para determinados tipos de pessoas. O público mais jovem gosta mais de ver autocarros. Os motoristas antigos da Carris também e comentam coisas como ‘que saudades que eu tenho destes autocarros, os bifes que eu tinha de comer para virar a direcção a este autocarro’.”
Depois de ter olhado muito para o presente da Carris, Diogo começou a interessar-se cada vez mais pelo passado, em particular dos eléctricos – um interesse que um livro de Luís Cruz-Filipe, Do Dafundo ao Poço do Bispo, despertou. “O Luís Cruz-Filipe é um verdadeiro entusiasta, por quem tenho uma admiração enorme. Foi uma das pessoas que me alimentou o bicho sobre estas questões de investigar a história. Ainda não li o livro todo, quero saboreá-lo. É um livro riquíssimo e que tem anos de pesquisa sobre a história dos eléctricos.”
Diogo quer começar a publicar mais histórias de carreiras e serviços antigos da Carris no site e eventualmente lançar pequenos livros digitais, que poderiam ser uma fonte de rendimento para o projecto. Apesar de ser quase um one-man-show, Diogo Lourenço conta com algumas pessoas que voluntariamente o ajudam em questões como o alojamento do site ou mesmo na captação de fotos (não consegue estar em todo o lado). E são essas pessoas também que estão a desenvolver com Diogo propostas de melhorias para a Carris. “O passageiros são quem usa in loco uma determinada carreira e que podem contribuir para alguma melhoria. Nós podemos fazer muitos planeamentos com números e estatísticas, mas é evidente que a utilização do transporte fisicamente é uma experiência importante – não menosprezando os números, como é evidente.” E os Autocarros de Lisboa podem ter ideias que querem partilhar com a população interessada.
Diogo Lourenço lamenta a pouca abertura que tem sentido da Carris. Se já chegou a ter uma relação de proximidade com o departamento de comunicação da operadora municipal, nos últimos anos tem verificado pouca abertura por parte da empresa. “Nunca bati à porta de ninguém. Tal como disse sobre os motoristas, não gosto de meter conversa nem de tirar da paz de ninguém, mesmo sabendo que às vezes posso acrescentar alguma coisa”, refere. Foi, por isso, da Carris que partiu o contacto com os Autocarros de Lisboa. A transportadora estava interessada nas fotografias de Diogo e, em troca das mesmas, dava acesso ao seu arquivo fotográfico. “Também recebíamos informações privilegiadas e atempadas, que não saiam para a comunicação social, por exemplo, para conseguimos cobrir. E chegámos a um ponto, salvo erro, foi ali no início de 2021, há dois anos, em que a Carris queria evoluir um pouco mais esta parceria. Como? Ficou uma ideia primordial em cima da mesa mas que nunca foi cumprida”, conta. Depois dessa conversa, Diogo deixou de ter respostas do lado da Carris. “Eu, quando aceito cumprir um acordo, cumpro. Quer seja um acordo de boca, quer seja um acordo assinado. Lamento que a empresa não tenha feito isso comigo.”
Diogo vai continuar o seu trabalho, mesmo que da empresa não veja reconhecimento e valorização do seu trabalho. “O meu objetivo é fazer um serviço público de qualidade. Mesmo que eu não ganhe nada com isso. E não ganho, nem quero ganhar. Eu tenho prejuízos. Eu compro máquinas e objectivas. Gasto gasolina no meu carro, gasto todos os meses 40 euros em passe. Gasto porque eu quero. Porque quero contribuir para a comunidade.” Promete que os Autocarros de Lisboa “vão continuar enquanto tiver disponibilidade, quer seja pessoal, quer seja financeira, para manter o projecto”. “Quero continuar a informar as pessoas, e a fazê-lo melhor do que faço, porque ando de transportes e vejo algumas informações que estão afixadas nas paragens e que que são insuficientes ou nulas.”

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